Na minha adolescência, no Sul do Brasil, tive a oportunidade de conviver com numerosas caravanas de ciganos, que chegavam ao povoado, onde morávamos. Tais caravanas eram formadas por gente rude e sofredora, cujos costumes contrastavam com o modo de vida das pessoas do lugar. A seguir, publico uma parte do capítulo 13 do meu livro Menino Tropeiro, com uma descrição minuciosa desses acontecimentos.
"No inverno de 1941 chegou ao povoado uma grande caravana de ciganos. Eles vinham do Sul, mais precisamente do Uruguai. Vinham a cavalo e traziam seus utensílios
As ciganas, com suas saias rodadas, se espalharam pelas
casas, oferecendo-se para ler a sorte das pessoas. Uma delas esteve em nossa
casa e manteve uma longa conversa com minha mãe. Só que, depois que ela saiu,
d. Lina deu pela falta de um queijo que estava numa prateleira na cozinha, fato
que a deixou muito revoltada, pois tratara a cigana com todo o carinho e até
lhe dera café e pão com manteiga.
– Veja, Heitor – disse ela para meu pai. – Tratei tão bem a
safada da cigana e ela levou o queijo escondido naquele monte de saias. Deve
ser para isso que usam tanta roupa.
– Eu te alertei. É um pessoal perigoso. Fazem negócios com
cavalos: compram, vendem, trocam, trapaceiam. O pessoal conta por aí que eles
trocaram uns matungos por uns belos cavalos de um caboclo lá perto de São
Pedro. Só que, na primeira chuva, os cavalos mudaram de cor e uma tinta começou
a escorrer de seus pelos.
– Como, uma tinta?
– Dizem que pintam os cavalos para parecerem novos e viçosos. São cavalos velhos e imprestáveis e a maioria morre envenenada pelas tintas.
– E essa história que roubam crianças?
– Isso me parece invenção. Contam uma história que teria
acontecido no Rio Grande do Sul, onde uma criança desapareceu, mas nada se
confirmou.
Os ciganos ficaram algumas semanas em Anita Garibaldi e
foi um alívio quando levantaram acampamento e seguiram seu caminho, mas
conseguiram quebrar a monotonia do lugar. As mulheres se vestiam com roupas coloridas e, à noite, à
volta do fogo, eles dançavam suas
danças típicas ao som de instrumentos musicais exóticos.
Aqueles homens e mulheres queimados de sol, com olhos sempre
bem acesos e brilhantes e um sorriso nos lábios, falando uma língua estranha,
despertavam a minha imaginação infantil. Ninguém sabia ao certo de onde vieram
e nem que rumo iriam tomar. Suas crianças nos fitavam com curiosidade, eram
maltrapilhas e tinham aparência doentia. Acho que passavam fome e frio, além de
não frequentarem a escola. Embora a vida na minha família fosse difícil, nunca
passamos fome e sempre tivemos um leito quente e limpo para dormir. A vida
daqueles pequenos ciganos nos mostrava uma outra realidade que desconhecíamos.
Tempos depois, chegou a Anita Garibaldi outro bando de
ciganos. Só que esses vieram em três caminhões e armaram três grandes barracões
de lona num gramado, perto da casa de dr. De Negri. Eram exímios artesãos e
viviam da fabricação de tachos e outros artefatos de cobre. As mulheres se
vestiam ricamente, com muitos adornos de ouro e prata e diziam que algumas,
além de vender “la suerte”, vendiam também seus lindos corpos, o que deixou
muito homem alvoroçado e muita mulher vigilante no
pequeno povoado.
Quando o chefe do clã fez aniversário, os ciganos prepararam
uma grande festa para ele e convidaram as pessoas mais importantes do lugar e
dos povoados vizinhos por onde já tinham passado. Meu pai foi um desses convidados
e ficou admirado com a grandiosidade da festa. Decoraram os barracões com
lindas colchas bordadas a ouro e a baixela em que foram servidas as iguarias
era formada por peças de ouro e prata, além de fina porcelana.
O banquete tinha carneiro assado, além de outras carnes, sem falar do vinho
servido aos numerosos convidados, de qualidade excepcional. O próprio dr.
De Negri
que participara de mesas
requintadas nas mansões de seus parentes na Itália, ficou admirado com a
ostentação demonstrada pelos ciganos. Os convidados ainda foram brindados com
danças e músicas típicas. Quando a festa terminou, já era dia claro."
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