segunda-feira, 11 de dezembro de 2017

UMA APRESENTAÇÃO TEATRAL QUE FEZ SHAKESPEARE SE RETORCER NO TÚMULO




          A figura trágica de Lady Macbeth
                                   
Em seu livro As Torres das Três Virtudes, o autor, R.H. Souza, conta como um diretor teatral atrapalhado tenta salvar uma peça de William Shakespeare. Leia o relato do protagonista do livro.

"Quanto à chamada vida cultural do seminário, Júlio César relata um episódio pitoresco, acontecido quando ele cursava o terceiro ano. Naqueles dias, veio do Rio de Janeiro um novo professor de português, de nome Frei Belarmino, que já tinha publicado alguns trabalhos como poeta e escritor. Ao chegar ao São Luís de Tolosa, ele ficou também encarregado da organização da peça de teatro que, anualmente, era encenada no grande salão nobre. Para começar, escolheu uma peça de autor alemão, intitulada Doctor Faustus, inspirada na obra homônima de Goethe. A peça foi um sucesso, graças ao trabalho do ator principal, um membro da turma dos maiores, que se revelou um intérprete de nível profissional.
Frei Belarmino ficou embriagado pelo sucesso e planejou para o ano seguinte algo mais sensacional e resolveu encenar nada mais nada menos do que William Shakespeare. Mas, o problema encontrado era que, em todas as peças, existiam papéis femininos e não havia mulheres no seminário para representá-los e, então, era preciso fazer alguma adaptação. Leu diversas peças e se fixou em Macbeth, na qual um dos papéis de destaque é o de Lady Macbeth.
         Conversando com outro professor, de nome Frei Vitor, este sugeriu:
– Ora, o mais lógico é fazer um aluno representar o papel de Lady Macbeth, pois no tempo de Shakespeare eram os homens que representavam todos os papéis, sendo proibido o acesso de mulheres à ribalta, como o irmão deve saber.
– Acho a ideia viável, mas preciso consultar o padre reitor, pois ele poderá não aprová-la.
Em reunião com Frei Cipriano, o empolgado professor expôs seu objetivo e afirmou que seria  muito  proveitoso para o educandário a  encenação de  uma peça do nível do teatrólogo inglês, pois isso representaria um marco na  trajetória da instituição. Adiantou que a peça escolhida era Macbeth, mas que a barreira encontrada era o papel de Lady Macbeth.
– O problema – concluiu – é que não temos uma mulher para representá-lo e a saída que encontramos é um aluno fazer o referido papel, como se fazia no tempo do próprio Shakespeare, quando somente homens se apresentavam nos palcos.
O reitor devolveu a sugestão com um sorriso irônico:
– Imagine que aluno vai querer representar essa Lady Macbeth, Frei Belarmino? Ficará marcado para o resto de seus dias no seminário e será motivo de chacotas por parte de seus colegas. Numa comunidade só de homens como a nossa, isso seria uma situação inusitada. A maioria dos nossos alunos é formada por jovens da área rural, filhos de colonos e não entenderiam a coisa. Acho melhor o sr. sair para outra solução ou, então, mudar de peça.
O frade-poeta ouviu a resposta do reitor, mas não se conformou com a proibição e passou aquela noite perdido em pensamentos e conjecturas para resolver a questão. No outro dia de manhã, procurou o colega Frei Vito em sua cela e anunciou:
– Encontrei a solução para o papel de Lady Macbeth...
– Que solução?
– Lady Macbeth não será a mulher do tirano, mas seu filho. Não precisamos mudar uma vírgula do texto original.
– Isso é uma solução absurda, meu caro...
 – Não. Será o filho quem vai induzir o nosso herói a praticar seus numerosos crimes e participar de toda a trama. Decidi que assim será.
Júlio César conclui sua narrativa afirmando que, em toda a história do teatro universal, desde os tempos do teatrólogo inglês, foi no Seminário São Luis de Tolosa, que houve uma metamorfose extraordinária. Lady Macbeth virou Son of Macbeth. 

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