Em seu livro As Torres das Três Virtudes, o autor, R.H. Souza, conta como um diretor teatral atrapalhado tenta salvar uma peça de William Shakespeare. Leia o relato do protagonista do livro.
"Quanto à chamada vida
cultural do seminário, Júlio César relata um episódio pitoresco, acontecido
quando ele cursava o terceiro ano. Naqueles dias, veio do Rio de Janeiro um
novo professor de português, de nome Frei Belarmino, que já tinha publicado
alguns trabalhos como poeta e escritor. Ao chegar ao São Luís de Tolosa, ele
ficou também encarregado da organização da peça de teatro que, anualmente, era
encenada no grande salão nobre. Para começar, escolheu uma peça de autor alemão,
intitulada Doctor Faustus, inspirada na obra homônima de Goethe. A peça foi um
sucesso, graças ao trabalho do ator principal, um membro da
turma dos maiores, que se revelou um intérprete de nível profissional.
Frei Belarmino ficou embriagado pelo sucesso e
planejou para o ano seguinte algo mais sensacional e resolveu encenar nada mais
nada menos do que William Shakespeare. Mas, o problema encontrado era que, em
todas as peças, existiam papéis femininos e não havia mulheres no seminário
para representá-los e, então, era preciso fazer alguma adaptação. Leu diversas
peças e se fixou em Macbeth, na qual um dos papéis de destaque é o de Lady
Macbeth.
Conversando
com outro professor, de nome Frei Vitor, este sugeriu:
– Ora, o mais lógico é fazer um aluno representar o papel de Lady
Macbeth, pois no tempo de Shakespeare eram os homens que representavam todos os
papéis, sendo proibido o acesso de mulheres à ribalta, como o irmão deve saber.
– Acho a ideia viável, mas preciso consultar o padre reitor, pois ele
poderá não aprová-la.
Em reunião com Frei Cipriano, o empolgado professor expôs seu objetivo
e afirmou que seria muito proveitoso para o educandário a encenação de
uma peça do nível do teatrólogo inglês, pois isso representaria um marco
na trajetória da instituição. Adiantou
que a peça escolhida era Macbeth, mas que a barreira encontrada era o
papel de Lady Macbeth.
– O problema –
concluiu – é que não temos uma mulher para representá-lo e a saída que
encontramos é um aluno fazer o referido papel, como se fazia no tempo do
próprio Shakespeare, quando somente homens se apresentavam nos palcos.
O reitor devolveu a sugestão com um sorriso irônico:
– Imagine que aluno vai querer representar essa
Lady Macbeth, Frei Belarmino? Ficará marcado para o resto de seus dias no
seminário e será motivo de chacotas por parte de seus colegas. Numa comunidade
só de homens como a nossa, isso seria uma situação inusitada. A maioria dos
nossos alunos é formada por jovens da área rural, filhos de colonos e não
entenderiam a coisa. Acho melhor o sr. sair para outra solução ou, então, mudar
de peça.
O frade-poeta ouviu a resposta do reitor, mas não se conformou com a
proibição e passou aquela noite perdido em pensamentos e conjecturas para
resolver a questão. No outro dia de manhã, procurou o colega Frei Vito em sua
cela e anunciou:
– Encontrei a solução para o papel de Lady Macbeth...
– Que solução?
– Lady Macbeth não será a mulher do tirano, mas seu filho. Não
precisamos mudar uma vírgula do texto original.
– Isso é uma solução absurda, meu caro...
– Não. Será o filho quem vai
induzir o nosso herói a praticar seus numerosos crimes e participar de toda a
trama. Decidi que assim será.
Júlio César conclui sua narrativa afirmando que, em
toda a história do teatro universal, desde os tempos do teatrólogo inglês, foi
no Seminário São Luis de Tolosa, que houve uma metamorfose extraordinária. Lady
Macbeth virou Son of Macbeth.
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