No livro Menino Tropeiro, o autor narra uma viagem de sua família que quase se transformou em tragédia. Leia os detalhes.
"Antes do nascimento de meu quarto irmão, Rogério, numas férias de fim de ano, a família resolveu visitar meus avós na cidade de Campos Novos. Como a distância era bem razoável, os preparativos foram minuciosos. Arrumamos dois cavalos e uma mula e viajamos até uma fazenda às margens do Rio Canoas, cujo proprietário traçou um mapa para que seguíssemos um caminho pela floresta, margeando o rio. Assim, reduziríamos bem a distância. Num determinado ponto do rio, encontramos uma balsa e passamos para o outro lado, na direção do povoado de Abdon Batista, onde pernoitamos na casa de um conhecido de meu pai.
No
dia seguinte, bem cedo, partimos para Campos Novos, onde chegamos à noite,
famintos e cansados. Minha avó, que não conhecia os netos, nos recebeu com
muita alegria e o velho João Gomes foi um anfitrião bem agradável. A maioria
dos irmãos de minha mãe já tinha tomado rumo na vida e as mulheres estavam
quase todas casadas. Ali só permanecia o irmão mais novo de minha mãe, de nome
Antônio, um pouco mais velho do que eu e duas tias, sendo uma delas, tia
Adelaide. Ficamos uns quinze dias em Campos Novos e retornamos para Anita
Garibaldi numa bela manhã. Saímos de madrugada e, por volta do meio dia, já atravessávamos
de balsa o rio Canoas.
Na
outra margem do rio, tinha uma área gramada à sombra das árvores e minha mãe
achou o lugar bem apropriado para a sesteada, como
dizíamos. Descemos dos cavalos e, enquanto ela preparava uma rápida refeição,
levei os animais para um pequeno pasto próximo, me colocando de guarda no
começo da estrada
para impedi-los de fugir.
Minha
mãe preparou pão com queijo e linguiça para todos e me chamou para buscar a
minha porção.
–
Mãe – disse eu, – não vou sair daqui, porque os animais podem fugir.
–
Os animais estão pastando e não vão fugir.
Eu
ainda insisti, mas ela ordenou, com apoio de meu pai, que eu buscasse o lanche
e não me preocupasse com as montarias. Só que eles não entendiam de cavalos
como eu. Saí bem devagar e me afastei uns trinta metros, quando um dos cavalos
ergueu a cabeça e, ao ver o caminho livre, avançou rápido, seguido dos outros
animais.
–
Eu não disse pra senhora que eles iam fugir - gritei desesperado, enquanto me
precipitava atrás das bestas.
Nessas circunstâncias, a única maneira de cercar animais fujões é cortar caminho e ir esperá-los em frente, o que a situação do momento não permitia, porque a mata era muito fechada, cheia de espinheiros. Assim, enquanto eu e meu pai corríamos atrás deles, mais se distanciavam de nós. Eu estava desesperado e meu pai bufava de nervoso. Enquanto corríamos, eu pensava nas consequências. Em primeiro lugar, os animais não eram nossos e éramos responsáveis por eles. Depois, como iria ficar a família, perdida no meio do mato, com duas crianças pequenas (eu já me considerava um adulto). A corrida desesperada demorou mais ou menos uma meia hora, quando o céu veio em nosso socorro. Numa curva do caminho, avistamos as montarias pastando, tranquilamente, junto ao portão de uma propriedade, cuja cerca os impedia de seguirem adiante. Cansados e nervosos (meu pai mais nervoso do que eu) nos aproximamos e seguramos os três infratores pelas rédeas e tomamos o caminho de volta, enquanto seu Heitor a eles se referia com alguns adjetivos bem pesados, como se os pobres quadrúpedes tivessem consciência do mal que tinham praticado. Fomos encontrar dona Lina inconsolável, na previsão do pior, enquanto meus irmãos choramingavam assustados. Arrumamos as trouxas, nos acomodamos sobre os arreios e cavalgamos silenciosos em direção de casa, onde chegamos no final do dia. Durante o restante do trajeto, não encontramos ninguém, um sinal do que poderia ter sido o desfecho da viagem, se tivéssemos perdido os animais".
Nenhum comentário:
Postar um comentário