sexta-feira, 20 de setembro de 2024

FATOS ESTRANHOS OCORRIDOS NA FAZENDA SANTA BÁRBARA, QUANDO DO NASCIMENTO DE UM MENINO. LEIA O CAPÍTULO 22 D0 LIVRO O FILHO DE ANITA





 "As semanas e os meses se passaram, enquanto Anita tinha que suportar uma gravidez muito difícil. O ser que carregava em seu corpo, sugava- lhe todas as energias. Sofria de enjoo, estava muito fraca e anêmica, mas o pior era a depressão de que fora tomada. Ela não sabia o que estava para acontecer, não sabia como seria o filho que carregava no ventre. Aqueles pesadelos voltaram, durante os quais ela sentia a presença de Firmino Constantino. Sentia mesmo o tilintar de suas esporas no assoalho do quarto. E não lhe saia da cabeça aquela frase do livro vermelho lido por Nefasta: “ ... o dragão parou diante da mulher que havia de dar a luz, para que dando a luz, lhe entregasse o filho”. 

 Dr. Cláudio comparecia com frequência à fazenda para lhe dar assistência. Quando esteve em Lages para compra de remédios, o médico procurou o consultório do amigo dr. Sartório e lhe contou em detalhes o que se passava com Anita.

 – Bem, caro colega – disse dr. Sartório –, quem poderia nos dar uma ajuda neste momento seria Frei Gaspar, mas ele, infelizmente, não está mais entre nós. A última vez que estive com Frei Protásio, fui informado que o nosso bom amigo esteve em tratamento num grande hospital do Rio de Janeiro. Os médicos da capital também não puderam fazer nada por ele, assim como nós não podemos fazer nada pela nossa jovem Anita. O problema dela chegou às fronteiras da ciência e ninguém  sabe o que se encontra do outro lado. É lamentável, mas essa é a verdade. – Sua gravidez é muito difícil. 

 – E o colega acha que foi esse Firmino Constantino quem a engravidou? 

 – É possível, pois ela passou vários dias na fazenda sob efeito de chás à base de ervas e, certamente, não estava na plenitude de suas faculdades mentais. 

 – Eu nunca ouvi falar que o Diabo tenha engravidado alguma mulher. 

 – Como o sr. disse, Anita está naquela fronteira da ciência, além da qual muito pouco se sabe. E para complicar, o amigo também não acredita no Diabo.

 – Isso é verdade. 

 Dr. Cláudio se despediu do colega e retornou a Anita Garibaldi. Quando chegou ao povoado, encontrou Sebastião, empregado da fazenda Santa Bárbara, muito nervoso, à sua espera, pois, ao que parecia, Anita entrara em trabalho de parto.

 – Preciso de um cavalo descansado – disse o médico.

 – Trouxe um excelente cavalo para o senhor – respondeu Sebastião. 

 A distância até a fazenda foi percorrida a galope, pelos dois cavaleiros. Pacheco já os esperava, nervoso, na porteira da fazenda.

 – Graças a Deus que chegou, dr. Cláudio. Minha irmã passa muito mal e creio que a criança nascerá a qualquer momento. 

– Vamos ver, meu amigo. Preciso de um local para me instalar e arrumar o material. Mandem ferver água, tragam toalhas bem limpas, Num minuto estarei a postos. 

 O médico se preparou no aposento contíguo ao de Anita e depois entrou no quarto, onde a jovem se contorcia nas contrações do parto, assistida por d. Madalena e uma criada. Dr. Cláudio pediu a Pacheco que ele e sua mãe se retirassem do local, pois o nervosismo de ambos seria contagioso e deixaria Anita ainda mais agitada. Pediu que só a criada ficasse ali para ajudá-lo. 

 Pacheco ficou com a mãe, em silêncio, na sala da fazenda, durante um longo tempo, enquanto ouviam os gritos desesperados de Anita e a voz do médico que mandava ela fazer força, força e mais força. De repente, houve um silêncio e, a seguir, um choro de criança. Todos respiraram aliviados. Passaram-se alguns minutos e dr Cláudio, muito sorridente, surgiu na porta do quarto e informou: 

 – Podem entrar que nasceu o filho de Anita. É um menino bem forte, bonito e saudável. 

 Aquela notícia que deveria dar um ponto final a todas as apreensões da família, foi início de novas perturbações. Quando o médico acabou de falar, a casa foi invadida por um vento forte e gelado, coisa impossível de acontecer em pleno verão, pois era o final do mês de fevereiro. Lá fora já era noite e os cães da fazenda começaram a uivar, os cavalos se agitavam nervosos e relinchavam nas cocheiras. Alguns peões estavam no curral assistindo uma vaca prestes a dar cria, quando o animal se levantou repentinamente e o bezerro ficou preso no cordão umbilical. O pequeno animal nasceu morto, para espanto dos presentes, pois o parto corria normal. Os cavalos que trouxeram dr. Cláudio e Sebastião estavam amarrados à entrada da fazenda, empinaram assustados, soltaram as rédeas e fugiram, como que impelidos por misteriosa energia. Dias depois ainda se sentiam os efeitos do estranho fenômeno. 

As criadas da fazenda observaram que os ovos de todas as galinhas que estavam nas chocadeiras, naquele período, não vingaram. Tinham gorado e nenhum pinto nasceu. 

 Quando Pacheco, dona Madalena e o médico entraram no quarto, Anita descansava aliviada e o menino jazia no berço, enrolado numa manta, pois o ambiente ainda estava gelado. Ele mantinha os olhos bem abertos como se estivesse fixando as pessoas e tinham um brilho estranho nas pupilas, fato que deixou o médico perturbado, porque nunca observara fenômeno semelhante. Dirigindo-se a Pacheco e a dona Madalena, falou: 

 – Acho melhor levar o berço do menino para outro aposento, para que Anita tenha o repouso mais absoluto, pois ela precisa. Suas energias foram totalmente exauridas e ela não está em condições de amamentá-lo. É preciso preparar uma mamadeira. 

 D. Madalena retirou-se apressada do quarto e foi para a cozinha da fazenda providenciar leite para a mamadeira do recém-nascido, enquanto Pacheco e a criada retiravam do quarto da mãe o berço com o menino, de acordo com instruções do médico. O berço  foi colocado ao lado de uma cama, em outro aposento, onde as criadas se revezariam durante a noite, pois o menino certamente precisaria de todos os cuidados e atenções especiais. 

 Quando nasce uma criança, geralmente as pessoas celebram, ficam felizes. Mas isso não acontecia na Fazenda Santa Bárbara. O ambiente estava pesado, sombrio, ninguém falava. Pacheco mantinha-se em silêncio e o médico estava mais preocupado com Anita, examinando-a com frequência. 

Entre os empregados da fazenda começaram a surgir comentários. Todos perceberam que, no momento do nascimento do menino, coisas estranhas ocorreram. Foi aquele vento gelado, a inquietação dos animais, a vaca que perdeu o bezerro. Eram muitas as coincidências.

 Um empregado afirmou que viu uma nuvem de grandes morcegos voando sobre a fazenda e estava certo de que aquilo significava mau agouro. Uma preta velha, que tinha premonições, disse com todas as letras que o menino que nascera era o filho do Diabo. Falou até de uma profecia que afirmava que ele um dia viria para viver entre os homens e lhes trazer muitas desgraças, que nasceria do ventre de uma jovem, assim como acontecera com Nosso Senhor Jesus Cristo. Afirmou que o povo devia rezar muito, se apegar a Deus e a Virgem Maria para não perecer sob as garras do Malvado. 

 A noite já ia alta, quando o médico se recolheu para descansar um pouco, pois o dia tinha sido pesado. Viajara de Lages até Anita Garibaldi e dali até a fazenda. Dona Madalena também dormia, depois de tomar um calmante que o médico lhe deu.

 Os empregados da fazenda já tinham se recolhido. Anita dormia profundamente, mas o recém-nascido permanecia acordado. Estava muito agitado, mas não chorava. Pacheco e a criada permaneciam ao lado do berço, quando foram surpreendidos com os latidos dos cães da fazenda, ouvindo-se, a seguir, um tropel de muitos cavalos, seguido de fortes batidas na porta principal da casa, enquanto os cães ganiam como que atingidos por alguma força terrível. Pacheco pegou um lampião e foi em direção à porta, mas antes de abri-la, perguntou: 

 – Posso saber quem chega?

 – Por favor, abra a porta – disse uma voz de homem, acompanhada do rosnar de um cão. – Abra, que somos de paz. Mas, se não abrir, arrombaremos, porque estamos em maioria. 

 Não restou a Pacheco outra alternativa. Abriu a porta e deu de cara com um homem alto, vestindo uma longa capa preta, acompanhado de um grande cão. Montados em seus cavalos, permaneciam atrás do recém chegado, vários homens portando armas de cano longo.

 – Meu nome é Firmino Osório Constantino – disse o intruso. – Vim buscar meu filho que nasceu hoje.

 – Quem garante que é teu filho? – retrucou Pacheco. – Como podes ter tanta certeza? 

 – Anita, tua irmã, foi a escolhida para gerar esse filho. Estava escrito que uma jovem daria à luz a um filho meu, que realizará muitos prodígios. Infelizmente, ela não entendeu a grandiosidade da missão que lhe foi reservada. 

Enquanto falava, o homem afastou Pacheco para o lado e entrou sala adentro. O jovem achou que não havia como resistir e conduziu o intruso até o quarto onde estava o berço do menino. Firmino aproximou-se e ficou a observar a criança por algum tempo com um largo sorriso de felicidade. Depois, disse: 

 – Filho querido, de há muito eras esperado. Eu te fiz à minha imagem e semelhança. Irás morar na casa de teu pai e te sentarás à sua direita e com ele reinarás. Todos os homens te renderão homenagens. 

 Enquanto concluía as palavras, ergueu a criança do berço, agasalhou-a sob a grande capa preta e se dirigiu para a porta de saída da casa, sempre acompanhado de Soldante, que rosnava para Pacheco. Ao cruzar a sala, Firmino encontrou dr. Cláudio que acordara com o barulho e saiu do quarto. 

 – Obrigado, doutor – disse – pelo magnífico trabalho que realizou. Um dia será recompensado, regiamente recompensado. E não se esqueça que foi um privilégio acompanhar o nascimento do filho de Firmino Osório Constantino. 

 Aproximou-se do cavalo e montou, sempre com o menino nos braços. Deu meia volta, esporeou a montaria e partiu célere, acompanhado da comitiva de vaqueiros. Pacheco só fechou a porta depois que os vultos mergulharam nas trevas daquela terrível noite. 

 – O que realmente aconteceu? – perguntou doutor Cláudio, ainda estupefato com o que vira e ouvira. 

– É ele, doutor, o Firmino Constantino. Disse que o filho é dele e veio buscá-lo. Não pude fazer nada, porque trouxe consigo o cão feroz e lá fora estavam uns dez homens armados com armas pesadas. Foi sorte os empregados da fazenda não terem percebido, porque, certamente, teríamos um tiroteio feio, com muita gente ferida e até morta. Como iremos contar a Anita o ocorrido? 

- Não será uma tarefa fácil, podes crer.

 – Conto com sua diplomacia para essa tarefa, doutor. É melhor o senhor falar, com sua experiência de médico. Eu acho que não conseguirei. 

 – Está certo! Amanhã, logo cedo, quando ela acordar, irei lhe falar. O amigo pode dormir tranquilo a esse respeito. 

 Como não havia nada mais a fazer, os dois homens se recolheram e o mesmo fez a criada que estava no quarto de plantão. Logo que o dia clareou, Pacheco procurou Sebastião, peão da fazenda, e lhe deu uma missão. – Quero que vás até a fazenda do Delegado Otacílio Brito e peças que ele venha até aqui, pois tenho uma investigação para ele fazer. Diga-lhe que uma criança foi sequestrada, o filho de Anita... 

 – O filho de dona Anita foi sequestrado, seu Pacheco? Quando isso aconteceu? 

 – Foi ontem à noite, Sebastião, mas depois saberás os detalhes. E não quero que fales disso com ninguém, somente com o Delegado Otacílio.

 – O patrão fique tranquilo, que nada falarei. Só vou tomar um café e logo estarei na estrada. 

 Pacheco retornou à casa da fazenda e encontrou dr. Cláudio no quarto de Anita. Ele informava à jovem que, durante a noite, seu filho fora sequestrado por Firmino Constantino. Para surpresa de todos, a reação de Anita foi tranquila. Parecia até aliviada, quando falou: 

 – Esta noite tive outro sonho. Frei Gaspar apareceu e me avisou que Firmino viria buscar o menino. Falou também que ele, Firmino, me violentara enquanto eu estava na Toca do Diabo e que todas as noites eu era dopada por Nefasta, quando tomava aquele chá para dormir e nesse estado ele dispunha de meu corpo, com a ajuda e a complacência da governanta, também um espírito impuro. E me disse que a concepção se deu naquela noite de orgias, organizada por ele para celebrar seu aniversário, quando me ofereceram vinho e eu tive alucinações. Acrescentou que era melhor que o Malvado levasse o menino, porque muita coisa ruim poderia acontecer a todos nós, se ele aqui ficasse. Disse também que eu não me preocupasse, porque meu espírito e meu corpo agora estavam livres e que jamais ele voltaria para me atormentar. E completou que só a Cruz de Cristo e o fogo purificador poderão livrar o mundo de Firmino Constantino. 

 – Anita – disse Pacheco –, mandei o Sebastião atrás do Delegado Otacílio Brito, pois iremos reunir um grupo de homens para desentocarmos esse bandido de sua toca.

 – Não faças isso, meu irmão, porque ele tem muitos homens e muita gente irá morrer. 

 – É preciso fazer, Anita, para darmos um ponto final em toda essa desgraça. Enquanto estiver vivo, poderá retornar e prejudicar muitos inocentes. 

Diante do argumento do irmão, Anita se calou. Pediu comida, pois estava com fome, fato que deixou o médico animado, pois ela se recuperava a olhos vistos. Dr. Cláudio deixou recomendações aos familiares quanto ao tratamento da jovem, despediu-se e retornou a Anita Garibaldi, onde outros doentes o aguardavam."

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