Para o leitor ter uma ideia de como era feita a derrubada dos pinheirais no Planalto Catarinense, nos anos de trinta e quarenta, vou publicar aqui um capítulo do meu livro, As Torres das Três Virtudes. É uma obra de ficção, mas os fatos narrados são reais, pois as coisas aconteciam aos olhos da autoridades, sem que fossem tomadas medidas para preservação dessa extraordinária riqueza nacional. (R.H. Souza)
"Clarice estava àquela tarde, no escritório com o Professor Virgílio, onde faziam o levantamento das contas a pagar e a receber da fazenda, quando Isabel veio avisá-la que tinha na entrada da propriedade um homem que queria falar com os proprietários da Fazenda Pedras Negras.
– Receba-o na sala de visitas, Isabel, que já irei encontrá-lo – disse.
– Será que é mais um comprador de gado?
– É bem possível! – completou Virgílio.
Quando foi ao encontro do inesperado visitante, Clarice percebeu que se
tratava de um indivíduo de baixa estatura, gordo, uns 45 anos de idade. Ao
vê-la entrar na sala, ele se levantou e, sorridente, foi ao seu encontro.
Falava com um forte sotaque italiano.
– Permita que eu me
apresente, senhora. Meu nome é Victório... Victório Parri. Moro no Rio
Grande do Sul e percorro as fazendas da região para fazer o levantamento dos
pinheirais existentes...
– Para que esse levantamento, sr... Victório?
– Acontece que...mas como é mesmo seu nome, senhora?
– Clarice! Clarice Weber.
– Sim, dona Clarice,
porque vou instalar aqui no Município de Campos Novos uma serraria movida a
vapor, a última palavra em tecnologia, e estou propondo aos
fazendeiros, que têm pinheirais nas suas terras um excelente negócio. Eu
derrubo os pinheiros, arrasto eles até a serraria, serro as tábuas, vendo tudo
e dou uma parti-cipação pra eles..
– Participação de quanto, sr. Vitório?
– Geralmente, de 20%, livre de qualquer despesa, pois o capital e o trabalho
são de minha inteira responsabilidade.
– Aqui
– Tem madeira de primeira, dona Clarice. Já observei, andando por aí.
– Os pinheiros que temos só são derrubados para uso da madeira na
própria fazenda. Com eles, construímos casas para os empregados, fazemos cercas
e currais. E, no lugar de um pinheiro derrubado, plantamos outro.
– A sra. é a proprietária da fazenda?
– Sim...eu e meu
marido, mas quem administra sou eu. O que eu resolvo, ele assina em
baixo.
– Posso lhe garantir, d. Clarice, que quase todos os fazendeiros do
Município participam do nosso plano.
– Eu soube que muitos industriais vieram do Rio Grande do Sul para levar
os nossos pinheirais. Do jeito que vão as coisas, em pouco tempo não restará
mais nada. Aqui no Sul, há muitos anos atrás, pelo que sei, uma empresa
estrangeira derrubou milhares de hectares de florestas de pinheiros e imbuias ao longo da estrada de ferro São
Paulo-Rio Grande do Sul, como parte do pagamento pela construção da referida
estrada. Devastaram uma faixa de
– Nós não queremos fazer um deserto da sua fazenda, d. Clarice. Só vamos
tirar uns pinheirinhos aqui e outros acolá.
– Agradeço muito o seu interesse, sr. Victório, mas não estamos
interessados na sua proposta. Preferimos preservar as nossas áreas de
florestas, principalmente os exemplares de araucária.
Clarice acabou de falar e se levantou, para indicar o fim da entrevista.
Victório Parri se despediu meio sem graça e saiu pela porta da frente, onde um
carro com motorista o esperava.
Ao comentar com
Virgílio a visita do italiano, ouviu dele que há muito tempo se iniciara o cerco
aos pinheirais das fazendas próximas e que serrarias eram montadas na região, com a concordância dos fazendeiros
que, assim, ganhavam um dinheiro fácil sem pensar nas consequências
futuras.
– Eles derrubam os pinheiros – acrescentou o professor – e depois mandam
as tábuas para o litoral. Um comprador de gado me contou que, na estrada que
vai de Lages para Florianópolis, existem filas de caminhões, descendo a serra,
carregados de madeira, que descarregam nos portos catarinenses, de onde vão
para diversas cidades brasileiras e até para o exterior.
– E o nosso governo não acorda para a situação. Temo que, no futuro,
nossos filhos e netos só conheçam um pinheiro através de fotografia.
– Podes crer, minha cara, que isso acontecerá, pois a ganância fala mais
alto.
Na hora do jantar, Clarice falou com o marido sobre a proposta do
italiano e ele concordou plenamente com sua decisão.
– No seminário –
disse ele – fui educado dentro de uma filosofia preservacionista, que mantenho
até hoje. Todo progresso às custas da natureza deixa feridas profundas, que
jamais cicatrizam. Os frades lá falavam muito de São Francisco, o fundador da
Ordem, um homem que tinha profundo amor à natureza, amor esse expresso no
famoso Cântico do Irmão Sol, que
tem uma estrofe que diz assim: “Louvado sejas tu pela terra, Senhor; Pois
ela nos sustenta e produz fruto e flor; Flor dum fino matiz com que nós Te
adoramos, fruto diverso e bom com que nos sustentamos”.
– Isso é maravilho! – disse Clarice. – Arranja-me uma cópia do Cântico
do Irmão Sol, meu querido, que vou colocar num quadro lá no escritório
– O santo – prosseguiu o advogado– fala do sol, da lua, das estrelas, da
água...
– Como ele fala da água?
Júlio César fez uma pausa, depois
declamou: “Louvado sejais sempre ó divino Senhor, Pela água, nossa irmã, a
qual, com seu frescor, Pura como o cristal, fecundante e preciosa, Nos suaviza
a sede e faz florir a rosa”.
–
Ela faz florir a rosa – continuou Clarice –, os pomares, faz crescer o trigo
que alimenta o homem, as pastagens que nutrem os animais, as matas que
alimentam e abrigam os pássaros.
– É isso aí, minha querida – concluiu o ex-seminarista–. Encontramos
mais uma entusiasta do Poverello de Assis.
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