quarta-feira, 5 de abril de 2017

O SINO QUE BADALAVA DEPOIS DA MEIA NOITE








Leia o capítulo 6 do livro O FILHO DE ANITA de R.H. Souza e veja as artimanhas do espírito das trevas para atemorizar Frei Gaspar, o personagem central dessa empolgante narrativa. Mas tome as devidas precauções, pois este livro é impróprio para menores e também para pessoas impressionáveis. Para comprar o livro, acesse amazon.com.br

         Capítulo 6

Depois de jantarem na casa de Isolina, o frade e o sacristão se recolheram cedo, pois o dia seguinte seria penoso, quando teriam que viajar 15 a 20 horas em lombo de burro até Lages.
          Frei Gaspar leu primeiramente seu breviário e depois deitou-se e logo dormiu, cansado que estava das idas e vindas entre o povoado e a fazenda da família Pacheco.
          Já passava da meia-noite, quando acordou com um ruído estranho que logo identificou como o badalar do pequeno sino que ficava no alto da torre da igrejinha. “Mas como – pensou. – Quem estaria tocando o sino a tal hora da noite? João Custódio não pode ser, porque a chave da igreja está comigo, aqui na sacristia” .
          Preocupado, aguardou uns instantes, mas, como o sino continuava badalando, vestiu-se rapidamente, acendeu o lampião que estava à sua cabeceira, abriu a porta da sacristia, passou em frente ao altar, percorreu a nave da capela até perto da porta principal, dobrou à direita e subiu os degraus da escada que levavam ao coro que ele, nervoso, percorreu até a extremidade oposta. A seguir, dirigiu-se à portinhola que dava acesso à torre, enquanto o sino continuava badalando.  Aproximou-se dela e verificou que estava trancada por fora com uma tranca de madeira. Retirou a tranca e penetrou no recinto, tomado pela escuridão e assistiu espantado a uma cena insólita. Levantando mais o lampião, verificou que o sino badalava sem que ninguém aparentemente lhe puxasse a corda, que balançava a esmo. Repentinamente, o sino parou de tocar. Frei Gaspar recuou, fechou a portinhola, colocou a tranca no lugar e voltou-se em direção à escada para retornar à nave da igreja. No momento em que pisava o primeiro degrau da escada, o sino voltou a tocar. O frade fez meia-volta e caminhou novamente em direção à torre. Pegou o crucifixo que trazia preso ao grande terço usado pelos franciscanos, pendurado ao cordão que lhes circunda a cintura. Ergueu-o em direção à portinhola e bradou:
          – Em nome de Jesus, força do mal ou quem quer que sejas, que profanas a casa de Deus, retira-te deste recinto sagrado. Eu ordeno: retira-te!
        Mas o sino continuava  a  badalar.  Frei Gaspar, agora, muito assustado, voltou a bradar:
        – Vade retro! Vade retro, Satana! Em nome de Deus e da Virgem Maria, eu te ordeno mais uma vez: retira-te da casa de Deus! Mergulha no fogo do inferno, de onde vieste...
        Neste instante, a portinhola abriu-se abruptamente, com uma lufada de vento muito forte que apagou o lampião e algo como uma mão invisível arrancou o terço das vestes do frade, cujas contas se espalharam pelo chão. Frei Gaspar ficou somente com a cruz na mão direita, que segurava com firmeza. E, subitamente, o sino parou de tocar.
        O frade ficou ali petrificado, na mesma posição, quando foi despertado por batidas na porta da igreja e vozes que o chamavam pelo nome. Desceu, tateando os degraus da escada, foi em direção à porta, abrindo-a. Deparou-se, então, com muitas pessoas lideradas por João Custódio. A população do povoado acorrera assustada até a igreja, ao ouvir as badaladas do sino.
        – O que aconteceu, Frei Gaspar? – perguntou João Custódio.
        – Não sei o que aconteceu. Quando ouvi o sino tocar fui até lá, mas fui agredido por uma força invisível. Tive o meu terço arrebentado. As contas estão lá em cima, no assoalho do coro. Acho que fui atacado por uma força maligna.
        – Vamos verificar – falou o sacristão – , enquanto entrava na igreja acompanhado por algumas pessoas, munidas de lampiões.
        O grupo se dirigiu à escada, com o padre e o sacristão à frente. Subiram até o coro, aproximaram-se da torre. Pelo chão foram encontrando as contas do terço. Chegaram até a  portinhola  que  dava  acesso à torre e, para espanto geral, a mesma estava fechada por fora, com a tranca,  como  Frei Gaspar a deixara, em sua primeira inspeção. O sacristão retirou a tranca e entrou na torre, com outras pessoas, munidas de seus lampiões. Vasculharam o local, agora bem iluminado, mas nada foi encontrado.
        – Não entendo – disse João Custódio – como alguém de carne e osso poderia ter entrado na torre com a portinhola fechada pelo lado de fora. Não foi assim que o senhor a encontrou na primeira vez que subiu até aqui, Frei Gaspar?
        – Sim, como também tenho certeza que a deixei com a tranca, depois que saí da torre.
        Enquanto ele falava, as pessoas presentes se entreolhavam espantadas. Um velho morador do lugar, seu Ambrósio, resumiu o que todos pensavam:
        – Seu padre, eu lhe digo é que tem que dar um banho de água benta neste lugar, fazer uma reza muito forte, pois aqui tem coisa ruim. E não é coisa deste mundo, mas do outro.
        – É isso mesmo! – confirmaram os outros, em uníssono.
        – Frei – acrescentou João –, desde que o sr. saiu daqui para aquela fazenda, quanta coisa esquisita tem acontecido. Acho bom o sr. tomar muito cuidado.
        – Se é força do mal, nada devo temer, João, pois Deus é a minha força e o “Demônio, a Besta que tenta nos enganar, já  foi lançado no lago de fogo e enxofre, onde de dia e de noite é atormentado para todo o sempre”, como está no Livro do Apocalipse. A oração pode tudo, meus irmãos. Convido todos os presentes a rezarem comigo um “Creio em Deus Padre”, um “Padre Nosso” e uma “Ave Maria”. Depois, podem se retirar tranquilos para suas casas, porque Deus está conosco.
        O frade iniciou a  reza e  foi  acompanhado  por  todos, muito contritos. A seguir, retornaram até a porta da igreja. João Custódio perguntou:
        – Quer que eu durma aqui na igreja, Frei Gaspar?
          – Não precisa, João,  pois tenho Deus em minha companhia  e nada me acontecerá. Louvado seja Jesus Cristo e boa noite para todos.
          As pessoas se retiraram da igreja, enquanto conversavam. A opinião geral é que naquilo tudo tinha o dedo de alguém. Todos sabiam da visita que o frade fizera à fazenda da família Pacheco e o que acontecera por lá, pois a “doença” de Anita já tinha varado fronteiras. Em toda a região, as pessoas haviam tomado conhecimento dos fatos estranhos que se sucediam na Fazenda Santa Bárbara. Estavam convictas que uma guerra havia começado. De um lado, ele, cujo nome evitavam pronunciar, e do outro, o frade que tinha causado muito boa impressão a todos, pela bondade, pela humildade e pela fé que demonstrava nas diversas situações.
          Frei Gaspar retirou-se para a sacristia e preparou-se para dormir, pois em breve nasceria o dia, mas, por precaução, deixou o lampião aceso, numa mesinha, à cabeceira da cama.

            





 

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