A história que eu vou contar aqui é real, embora eu troque o nome dos personagens. É uma história que aconteceu, há muitos anos atrás numa cidade do interior do Brasil e me foi contado por um dos conhecedores da mesma. Os personagens são um garoto coroinha que ajudava as missas da paróquia, com outros meninos e o pároco da cidade. Vou chamar o coroinha de Tonico e o pároco de padre Beraldo.
Era um domingo e um grupo de coroinhas, uns cinco meninos, entraram atabalhoadamente sacristia a dentro para vestirem as vestes apropriadas para participarem da missa principal. Entre eles, estava o nosso herói, o Tonico. Como ainda demorava para se iniciarem as cerimônias religiosas, Tonico tirou do bolso suas estimadas bolinhas de gude e iniciou uma partida com os companheiros, formando-se uma grande algazarra no recinto religioso, momento em que entrou no ambiente, o pároco, padre Beraldo, e repreendeu os garotos, dizendo que a sacristia não era lugar para jogo de bolas de gude e, abaixando-se, pegou as pedrinhas e as colocou no bolso da batina. Tonico ficou inconsolável. Reclamou do pároco, mas ela foi irredutível, dizendo que não as devolveria, pois todos ali tinham cometido uma falta muito grave, com total desrespeito ao local sagrado.
Depois da rápida preleção, o vigário vestiu as vestes sagradas e se dirigiu ao altar, dando inicio à cerimônia, sendo que Tonico e mais outro companheiro iriam fazer o papel de ajudantes, enquanto os outros companheiros seriam meros assistentes.
O padre iniciou a celebração da santa missa, aquela época, rezada em latim, e Tonico sabia desempenhar o papel de ajudante com total desenvoltura. E chegou, finalmente, o momento do ofertório, quando os coroinhas se dirigiam a uma mesa ao lado do altar, onde apanharam as duas galhetas, uma com o vinho e a outra com a água. Tonico pegou a galheta com o vinho e se dirigiu ao altar, enquanto o celebrante aguardava que ele lhe entregasse o precioso líquido, mas o menino recuou e não entregou a galheta na mão do sacerdote e este, muito nervoso falou em voz baixa:
- Menino, me dê a galheta com o vinho...
- Só entrego a galheta, seu vigário, se me devolver as minhas bolinhas de gude.
- Olhe a falta de respeito... o povo já deve estar percebendo o grande transtorno que você está causando...
- Só lhe dou o vinho, se me devolver as minhas bolinhas...
A discussão entre os dois ainda durou algum tempo, até que o padre, muito nervoso, levantando a alva que lhe cobria a batina, enfiou a mão no bolso da mesma e, com dificuldade, pegou as bolinhas de gude e as entregou ao atrevido coroinha, recebendo a disputada galheta com o vinho e, podendo assim, dar prosseguimento à cerimônia religiosa. As pessoas que assistiam à missa, estavam atônitas, pois não entendiam o que se passava no altar.
A pessoa que me relatou este fato me disse que o nome do garoto era Antônio, mas todos o chamavam de Tonico. O pároco da paróquia o perdoou, pois ele era muito eficiente no desempenho de suas tarefas.
E o meu informante acrescentou que Tonico, mais tarde, ingressou num seminário, sendo ordenado sacerdote.
- E hoje, onde ele se encontra?
- Hoje, por incrível que pareça, o nosso querido Tonico é um renomado bispo de uma diocese do nosso estado, onde desenvolve uma admirável atividade pastoral, sendo muito querido pelos seus diocesanos, pois dá assistência aos pobres e promove diversas atividades de cunho social. E veja, tudo começou com umas simples bolinhas de gude... Eles só queriam jogar búrica, como diziam, mas o local escolhido não era apropriado.
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O livro Menino Tropeiro, de autoria do autor deste blog, foi aprovado pela Lei Rouanet, mas, infelizmente, o autor não teve condições de procurar patrocinadores para a obra, em razão de um grave problema ocorrido em sua família, tendo se esgotado o prazo legal para tal atividade. Isso, entretanto, não impede que você leia o livro, uma vibrante narrativa que se passa nos anos 30 e 40, no Planalto catarinense, considerada muito especial, por especialistas. Pela lei Rouant, a edição do livro era para ser distribuída em escolas, mostrando aos jovens de hoje como era o ensino da época, em que os alunos do interior, não tinham cadernos, mas uma lousa, onde faziam as lições, não tinham condução, nem alimentação nas escolas. Se cometiam uma falta, eram submetidos à tortura da palmatória, depois abolida pelo governo de Getúlio Vargas. Estudavam na parte da manhã e à tarde pegavam uma enxada e iam para a roça, para ajudar os pais no cultivo da terra. Eram outros tempos, com a grave crise proporcionada pela guerra. Para ler o livro, acesse: amazon.com.br
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