OS textos apresentados, a seguir, são do livro MENINO TROPEIRO do autor deste blogue, livro que descreve alguns costumes dos caboclos que povoavam o interior do Planalto Catarinense, na década de trinta. Para melhor se informar sobre o assunto, compre o livro: atendimento@clubedeautores.com.br
"João Machadeiro trabalhava de sol a sol, derrubando pinheiros, preparando os rachões para as cercas. Além do trabalho, ele precisava preparar as próprias refeições, o que fazia à noite. Durante o trabalho ele só parava para fazer o seu cigarro de palha, que exigia um ritual todo especial e eu não me cansava de observá-lo. Primeiro, com seu longo facão, cortava o fumo de rolo em pedacinhos. Depois, colocava-os cuidadosamente na palha de milho e a enrolava com cuidado. Agora, era a vez de acender o pito. O acendedor vinha dentro de uma pequena sacola, de onde ele tirava a ponta de um chifre de boi de uns quinze centímetros, cheio com uma espécie de algodão inflamável. Em seguida, encostava na extremidade do chifre uma pederneira (ou pedra de fogo como a chamavam) e, com um pedaço de lima, feria a pedra, arrancando-lhe faíscas, projetadas sobre o algodão, inflamando-o. Então, era só encostar a ponta do cigarro na brasa e dar as primeiras baforadas. Era uma operação um tanto complicada, mas funcionava, pois fósforo era uma raridade na região e de preço um tanto elevado para a população mais pobre do lugar. É isso mesmo: não existia fósforo para os pobres do lugar e isqueiro eles nem conheciam. Isso, em pleno século XX.
Outra peculiaridade: João Machadeiro não tinha botas, nem sapato, nem chinelo. Ele usava como calçado para andar pela mata, um pedaço de pneu velho, onde enfiava o pé, prendendo-o com uma espécie de cadarço. Era um tipo de calçado usado por muitos caboclos da região.
Um
dia de manhã, eu estava em frente à casa, olhando a paisagem, quando percebi
uma fileira de homens se deslocando silenciosamente em direção a Anita
Garibaldi. Todos eles apresentavam ferimentos diversos, na cabeça, nos braços,
nas pernas. Tinham as roupas sujas de sangue. Meu pai se aproximou e perguntou
ao último homem da fila o que tinha acontecido e ele fez um relato sucinto:
–
Foi briga de pixirum – disse o homem. – Meu compadre José Inácio chamou esse
povo pra fazer um roçado na terra dele. No final, deu comida com muita pinga
pra todo mundo e tá aí o resultado: foi briga de foice, seu moço.
– E
para onde vão, agora?
–
Vamos procurar o doutor lá em Anita pra tratar da gente, pois tem homem aí que
perdeu muito sangue.
O
pixirum, em linguagem cabocla, era um mutirão realizado com frequência na
região, quando alguém reunia amigos e conhecidos para a realização de uma
tarefa em sua propriedade, como roçado, plantio, colheita, tarefa para muitos
braços. No final, o organizador do pixirum oferecia aos participantes um
almoço, regado a cachaça, que, geralmente, terminava em briga. E foi isso o que
aconteceu com aquela gente."