quinta-feira, 6 de março de 2014

A "BELLE ÉPOQUE" AMAZÔNICA CHEGA AO FIM. É O "CRACH" DA BORRACHA





                                                    Teatro Amazonas - restaurado


"Sobre o palco onde ontem soaram vozes do Scala de Milão e dançaram os leves pés de Pavlova, caíra uma camada de poeira. O cupim devorou as vigas de madeira que sustentavam a abóboda de azulejo, e o candelabro de cristal espatifou-se no chão." 
(David Saint Clair, historiador americano.)

As grandes noites do Teatro Amazonas chegavam ao fim. Os seringais cultivados na Malásia e Cingapura, superavam a produção nacional de borracha, que, em 1913, correspondia a 67% da asiática, e no ano seguinte caia para 44%. Pior ainda, o custo de produção na Ásia era inferior ao da Amazônia, onde as técnicas eram primitivas, o transporte oneroso e muito pequeno o rendimento do trabalho em árvores dispersas e de difícil acesso. "Enquanto um trabalhador da Malásia podia recolher num só dia três quilos de borracha, um serigueiro do Amazonas recolhia um só quilo, de 8 a 15 dias". (Prado e Capelatto.)

 Manaus despediu-se do antigo esplendor no carnaval de 1915. A festa começara animada, com toda a população dançando e brincando nas ruas, clubes e cafés. A alegria chegou ao auge quando, no corso da avenida Eduardo Ribeiro,  desfilaram os "Paladinos da Galhofa", em onze carros alegóricos. Em um deles ia Ária Ramos, a musa dos "Paladinos", considerada a moça mais bonita da cidade. À noite, no Clube Ideal, houve um baile. Num intervalo da orquestra, pediram a Ária que tocasse no violino a valsa Sublime Amor. Quando terminou a execução, explodiram os aplausos. Ária soltou um breve gemido, levou a mão direita ao pescoço e caiu. Um bando de mascarados, palhaços, piratas, pierrôs correu até o palco e debruçou-se sobre a jovem. Lá atrás, um moço fantasiado de cowboy, segurava o revólver e balbuciava:"Foi um acidente." 

No mesmo ano, o preço da borracha caiu verticalmente. Em 1916, já não houve carnaval. A atmosfera de decadência corroeu o luxo das mansões em Manaus e Belém, a outra capital da borracha. As duas cidades começaram a entrar num marasmo, típico dos centros urbanos que viveram um luxo artificial.

"A memória prefere o apocalipse. Numa manhã calorenta de Manaus, os quadros da ruína: suicídios, debandada de aventureiros, navios lotados de arrivistas em fuga, as passagens esgotadas, famílias inteiras em mudança, os palacetes abandonados. Os que permaneceram ou não tiveram força para escapar, foram contaminados pelos sintomas da miséria crescente (...), como o mato [que] assaltava as ruas calçadas com paralelepípedos importados". (Márcio de Souza, escritor.)

Texto extraído da coleção Nosso Século da Abril Cultural, copyright 1980.

 


                                           

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