quarta-feira, 29 de junho de 2022

JUS PRIMAE NOCTIS - O DIREITO À PRIMEIRA NOITE *

 


No livro as AS TORRES DAS TRÊS VIRTUDES, o autor deste blog narra um episódio um tanto inusitado referente ao provérbio latino Jus primae noctis, adotado por um fazendeiro, fato,que dizem as lendas, teria acontecido numa fazenda no Planalto Catarinense, na década de trinta.

*  O jus primae noctis teria sido um costume medieval que dava ao senhor feudal o direito de dormir com a noiva na primeira noite das núpcias, desde que os noivos fossem súditos do referido senhor. 


Leia o texto que segue do referido livro.

"Virgílio Monteiro acompanhava e contabilizava os lucros do patrão. E ele chegou também à conclusão, que estava na hora de mudar um pouco de rumo e constituir família. Já tinha amealhado um bom dinheiro ao longo dos anos e podia montar uma casa para nela acolher a amada de seu coração, e já tinha uma candidata. Era Sofia, a jovem auxiliar de Isabel na administração da casa da fazenda. Virgílio sabia que era correspondido e, embora, o seu namoro com a jovem fosse meio às escondidas, tinha convicção que seu pedido não seria rejeitado. Quando fez a proposta a Sofia, ela fez uma observação:

– Sim, eu concordo em me casar contigo, Virgílio, pois sei o quanto me amas e eu também te amo muito. Mas, casamento?... como isso será encarado pelo patrão? Sabes que nossa liberdade aqui é limitada.

– Eu falarei com ele e se não concordar, iremos embora. Tenho o suficiente para começarmos uma nova vida em qualquer lugar.

– Sabes que não é assim tão fácil. Sabemos demais para sairmos sem mais nem menos deste lugar.

– Fica tranquila, minha querida, que tudo dará certo.

Quando Virgílio expôs suas intenções a Libório Antunes, a reação do patrão foi positiva e ele falou:

– Ótima ideia, pois gosto muito que aqueles que trabalham para mim, fiquem  cada  vez  mais unidos. E  tem  mais,  eu custearei todas as despesas do casamento, vou lhe arranjar uma casa nos terrenos da fazenda e tu e tua mulher continuarão trabalhando para mim.

Virgílio foi aos saltos contar as novidades para a noiva.

            – O que está por trás de tanta bondade, Virgílio? Estou desconfiada, pois quando a esmola é muito grande... o santo desconfia.

          – Ele gosta muito da gente, minha querida, e quer que continuemos a seu serviço.

– Espero que estejas certo, Virgílio. Mas confia, desconfiando, meu querido

O casamento ficou marcado para dali a seis meses e se realizaria na própria fazenda. O juiz de paz de Campos Novos foi convidado, juntamente com o páraco da cidade, para a realização das cerimônias civil e religiosa.

          A festa de núpcias de Virgílio e Sofia foi um acontecimento na fazenda. A noiva estava lindíssima, num belo vestido de seda, comprado na cidade de Lages. Foi organizada uma grande festa, patrocinada por Libório Antunes dos Santos, com churrasco para todos os empregados, com muita comida e muita bebida. Foi organizado também um grande baile, animado por um conjunto de músicos, que veio especialmente de Abdon Batista. O baile entrou pela noite e Libório era um dos mais animados. Dançou com a noiva por diversas vezes, o que deixou Virgílio um tanto intrigado. O fazendeiro não se cansava de elogiar a beleza de Sofia e cochichava em seus ouvidos, enquanto dançava, deixando-a nervosa e constrangida. Quando voltou a dançar com Virgílio, a noiva pediu que saíssem mais cedo do baile e se retirassem para a nova casa, onde passariam a lua-de-mel. Disse não suportar mais os galanteios do patrão, que a convidava a toda hora para dançar. A coisa estava tão escancarada, que os participantes da festa comentavam entre si.

– Deves dar-lhe um desconto – disse o professor, sem convicção –, pois ele bebeu muito durante a festa e está bêbado.

– Espero que estejas certo, meu querido.

Próximo da meia-noite, os convidados começavam a se retirar e Virgílio se aprontava para conduzir a noiva ao leito nupcial, quando dele se aproximou Justino, o capataz da fazenda. Pediu que o acompanhasse até um quarto ao lado, pois tinha um assunto para lhe falar. O Professor ficou desconfiado e pediu que Sofia o aguardasse, que logo estaria de volta.

– Pedi que viesse até aqui – disse Justino, constrangido –, pois tenho para o senhor um recado do patrão.

– Que recado? – perguntou Virgílio.

– O patrão mandou avisar que a primeira noite é dele...

– Como... a primeira noite ...

– Sim, ele  diz  que  existe  um  costume antigo, que dá ao chefe, ao senhor, ao patrão, o direito de dormir a primeira noite com a noiva. Ele diz que é só a primeira noite.

– Justino, tu sabes o que estás me dizendo? – falou Virgílio, vermelho de raiva.

– Sei, perfeitamente, professor.  Será que o sr. acha que o patrão lhe preparou essa festa, lhe deu casa, mandou comprar o vestido da noiva... tudo de graça. Como paga, ele só quer uma noite com a noiva.

– Não admito – gritou Virgílio –, vou falar com ele.

– Eu, se fosse o senhor, ficava quieto e aceitava as coisas como são, porque a noiva já foi mesmo levada para o quarto dele. Ela deve ter esperneado bastante, mas acaba tendo que se conformar.

Virgílio deu um salto e se precipitou em direção à porta do cômodo em que estava  com Justino,  abriu-a  violentamente, mas  deu  de cara com dois capangas de Libório, que o aguardavam do lado de fora. Os homens o empurraram de volta ao interior do quarto e o fizeram sentar-se. Justino procurou acalmá-lo:

– Professor, procure se conformar. O sr. sabe que, quando o patrão quer uma coisa, ele sempre consegue. Não adianta ficar nervoso. Além disso, ele garante que é um direito dele.

Virgílio  baixou  a   cabeça  e   começou  a  chorar  baixinho. Estava desesperado diante da dura realidade que o atingia em cheio no dia em que pensava ser o mais feliz de sua vida. Sua noiva, sua querida Sofia, estava lá, no leito do maldito Libório Antunes, o homem que agora revelava toda a maldade de seu coração. Enquanto isso, ele estava ali, impotente, cercado por três capangas prontos a acabar com sua vida, se reagisse.

Depois de quatro horas de longa espera, quando o dia já começava a clarear, finalmente a porta do quarto de Libório se abriu e Sofia, cambaleante, se aproximou e atirou-se nos braços de Virgílio, em choro convulsivo. Justino que estava na sala, aproximou-se do casal e falou:

– Vou levar os dois para casa. Viram, tudo acabou e ninguém se machucou. É melhor assim.

Abraçado, o casal se dirigiu à porta da residência, sem dizer palavra, com Sofia amparada por Virgílio, enquanto Justino providenciava uma charrete para levá-los para o novo lar, que ficava a três quilômetros da sede da fazenda. Aquele  que,  para  o   casal,  deveria  ser  um  dia  de  muita   felicidade,  se tranformou no pior dia de suas vidas. O futuro para eles era um grande ponto de interrogação."

 

Naquela manhã, depois da noite de núpcias, Libório se levantou da cama mais tarde e se dirigiu à sala de jantar, para tomar o café da manhã. Isabel já o aguardava e foi a primeira a falar:

– Espero que o patrão tenha tido uma boa noite.

     – Dentro das circunstâncias, até que foi uma noite bem agradável.

– O patrão tem alguma recomendação especial para o dia de hoje?

– Tenho, sim. Quero que mantenhas vigilância constante sobre Sofia, a mulher de Virgílio. Acho que eles, depois do que aconteceu, pretendam fugir da propriedade e isso eu não permitirei. Ambos sabem de muitas coisas aqui da fazenda, que não devem ser conhecidas lá fora, senão perderemos o controle.

– Mas sozinha eu não posso vigiar os dois...

          – Exatamente! Cuidas de Sofia que de Virgílio, Justino e seus homens cuidarão.

Depois de proferir as últimas palavras, o fazendeiro tomou seu café, tranquilamente. Ao sair da sala de jantar, encontrou-se com Justino. O capataz lhe relatou que os recém-casados, depois que a jovem saíu do quarto do chefe, foram levados até sua nova residência, onde permaneciam até aquele momento, provavelmene dor-mindo.

– Deixa descansarem! – concluiu Libório. – Nada como um bom sono para curar as mágoas. Mais alguns dias e tudo estará esquecido, pois o tempo cicatriza todas as feridas.

Acabou de falar e montou em seu cavalo, para fazer a visita de rotina às dependências da fazenda, pois era adepto daquele ditado popular que dizia: “O que engorda o boi é o olho do dono”.


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sexta-feira, 24 de junho de 2022

UM ACONTECIMENTO QUE CAUSOU UM GRANDE TRAUMA NA VIDA DE UM POBRE PROFESSOR



A narrativa que segue consta de meu livro MENINO TROPEIRO  e aconteceu no ano de 1937, na localidade de Anita Garibaldi, Santa Catarina, um povoado de colonização italiana, de população pacífica, mas onde alguns indivíduos praticavam atos de puro vadalismo. Leia o texto.

"Naqueles  dias sombrios  aconteceu  um  fato  que veio dar uma  reviravolta  em  nossas  vidas.  Houve um  grave desentendimento entre Euclides Granzotto e dr. De Negri. O velho Granzotto estava adoentado e o filho mais velho da família morava no povoado de São Pedro, próximo ao Rio Pelotas, na fronteira com o Rio Grande do Sul, onde tinha negócios. Quem na verdade dava as ordens em nome do clã era o segundo filho, Euclides Granzotto. Até  hoje  não sei  quais  foram as causas desse desentendimento entre De Negri e Euclides, mas meu pai ficou do lado do médico, a quem estava ligado por uma forte amizade. Diante da situação, resolvemos abandonar a casa onde morávamos, que era de propriedade dos Granzotto. Fomos provisoriamente para uma casa nos fundos da residência dos De Negri, onde ficaríamos até a poeira baixar.

Em conversa com o médico, meu pai se prontificou a servir de intermediário entre os litigantes, pois o lugar era pequeno e não valia a pena esse tipo de disputas. Dr. Giovani concordou e lá foi o professor ao encontro de Euclides Granzotto, cuja venda ficava aberta até o início da noite. A conversa entre ambos se desenvolveu em clima cordial e meu pai se retirou, acreditando ter aparado todas as arestas. Mas não era bem assim. Na verdade, ele estava sendo vítima de um golpe traiçoeiro. Ao atravessar um pontilhão de acesso à casa do médico, já era noite avançada, quando foi abordado por dois indivíduos armados de relhos, que iniciaram o ataque com estas palavras:

– Professor, o sr. vai levar uma surra pra não meter mais o nariz naquilo que não é da sua conta.

Das palavras, passaram ao ato e açoitaram meu pai por todo o corpo, sem lhe dar nenhuma oportunidade de defesa. Ele chegou em casa ferido no rosto, nos braços, nas costas, nas pernas. Dr. De Negri correu em seu socorro e o levou até o consultório onde, num clima de grande revolta, todos procuravam uma explicação para a prática covarde. Minha mãe chegou, em seguida, e, muito assustada, perguntou:

– Meu Deus, mas quem é o responsável por essa covardia?

Enquanto recebia atendimento médico, o professor fez um relato dos acontecimentos, desde a saída da reunião com Euclides Granzotto até o encontro com os dois vagabundos, ao ser surpreendido na escuridão da noite.

– Quem seriam os capangas que o atacaram, professor? – perguntou o médico.

– Um deles, tenho certeza, é o filho da dona da pensão. Estava escuro, mas reconheci sua voz.

Dr. Giovanni resolveu enviar, ao amanhecer, um emissário ao delegado responsável pela manutenção da ordem na região, um fazendeiro, que morava bem longe do povoado. Ele chegou na parte da tarde acompanhado de dois ajudantes. Visitou meu pai e se inteirou dos detalhes da emboscada. Em seguida, foi para a escola e mandou seus auxiliares buscarem o filho da dona da pensão, cujo nome acho que era Argemiro, um homúnculo de 1,50m de altura. Depois de conversar com o delegado uns dez minutos, ele entregou todo o esquema. Deu o nome do comparsa, um tal de Antônio e confessou que ambos foram contratados por Euclides Granzotto para  fazer o serviço. Eles atacaram meu pai para atingir indiretamente o médico, pois atacar o médico certamente criaria uma comoção geral junto ao povo da região, face ao prestígio desfrutado por ele.

O delegado procurou o mandante do crime, mas este negou enfaticamente que tivesse ordenado a emboscada.

– Imagine, delegado – falou Euclides –, o sr. acha que eu iria fazer uma coisa dessas? O professor é um homem muito conceituado e minhas sobrinhas são alunas dele.

O delegado saiu da reunião convencido da culpabilidade do suspeito. Segundo ele, Paulino Granzotto, o chefe da família, não tinha nada a ver com o fato, pois se encontrava acamado, vítima de grave enfermidade e não era homem de comportamento violento. Pelo contrário. O filho mais velho nem morava em Anita Garibaldi. Os outros filhos não tinham voz ativa nas decisões da família. A responsabilidade pelo atentado ao professor era integralmente de Euclides.

O inquérito  parou nesse ponto. Quem iria levar às barras de um tribunal o poderoso Granzotto? Na verdade, na região, apesar dos novos tempos, não existia justiça.  O juiz mais próximo ficava em Lages e o delegado era mera figura decorativa. O que determinava era a lei do mais forte. Ninguém foi punido. Um dos capangas, o tal de Antônio, morreu uns meses depois e meu pai o perdoou. Euclides Granzotto, segundo eu soube mais tarde, ingressou  na  política e chegou a ser prefeito da cidade Lages. Mas o episódio  marcou para sempre a população daqueles rincões. Ninguém tomou a defesa de meu pai, ninguém ergueu a voz para protestar. Essa era a dura realidade que feriu a nossa família, por ter atingido  de forma humilhante um homem honrado que,  através do ensino, sem medir sacrifícios, dedicava sua vida ao progresso daquela população."


       
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quinta-feira, 23 de junho de 2022

O FRADE ALEMÃO QUE TINHA UMA DAS MAIORES COLEÇÕES DE SELOS DO BRASIL

 


Seu nome era Frei Cleto e, com a idade de 80 anos, vivia no Seminário São Luís de Tolosa, fundado pelos frades fanciscanos, na cidade de Rio Negro, Paraná. Frei Cleto iniciou sua coleção de selos ainda na Alemanha, em sua juventude e, chegando ao Brasil, deu  continuidade à mesma, correspondendo-se com vários países, em busca de seus preciosos selos. Em sua coleção estavam presentes preciosidades, como o Olho de Boi e Olho de Cabra, famosos selos nacionais,  além de outras rariedades estrangeiras.

Em sua humilde cela no convento, anexa ao seminário, Frei Cleto mantinha dezenas de pastas, nas quais guardava suas preciosidades filatélicas. Pessoas que entendiam do assunto e que conheceram a coleção do frade, diziam que ela era uma das mais valiosas do Brasil.

O que foi foi feito com os selos do velho frade, após a sua morte, não sabemos, mas, certamente foi dada a ela um destino condizente. Li, recentemente que, na cidade de Petrópolis, no convento franciscano, existe um serviço filatélico de venda de selos para ajudar missões religiosas na África. Talvez a coleção de Frei Cleto tenha ido parar lá. A conferir.
 





Prédio majestoso do antigo Seminário Seráfico 
São  Luis de Tolosa, onde hoje funciona a  Prefeitura
e numerosas secretarias do Município de Rio Negro, Paraná.
O prédio é cercado por um magnífico parque florestal, herança deixada pelos frades franciscanos, seguindo os passos de São Francisco de Assis, hoje patrono da ecologia.