sábado, 22 de agosto de 2020

FICAMOS JUNTOS DURANTE 62 ANOS E, AGORA, ELA FOI EMBORA ...



Gilda, no vigor de seus 20 anos. Ela morreu com 80.
Para nós, que a conhecemos, valem aquelas palavras do filme:
"Nunca houve uma mulher como Gilda".

Gilda, uma esposa dedicada, uma mãe amorosa, uma avó especial,  mulher de muitos... muitos amigos. A doença a levou, mas ficamos com a lembrança de sua personalidade marcante, de seu temperamento dinâmico, de seu coração generoso. A seguir, um texto em que ela mesma se revela.

 

"Gilda é o meu nome! É de origem teuto germânica, quer dizer valorosa e foi escolhido pelo meu pai. Na Europa pronuncia-se Guilda e na França também é nome masculino. Minha mãe, gostaria de ter me chamado de Leonor mas sinceramente, prefiro o meu nome. Apesar de achar Leonor muito bonito e delicado gosto mais de Gilda por ser menos comum e de bonita grafia. Leonor me lembra uma jóia antiga e muito delicada com pedras verdes. Gilda tem mais a minha cara.

 Nasci em abril, portanto sou ariana um sério problema, pois sou teimosa, explosiva, arrebatada, passional, (agora nem tanto, pois já sou uma mulher madura, mas isso quer dizer apenas que fiquei mais esperta e mais velha também), sou muito apegada a detalhes acho até que exagero, cobrando mais do que devia de mim mesma. Sou muito crítica em relação a minha pessoa.

Sou impulsiva, rebelde, contestadora, ansiosa como só eu mesma. Sou apaixonada pela vida, pela natureza, pelas pessoas. Meu marido costuma dizer que eu me acho. Mas, aquilo que sou realmente capaz de fazer bem feito aí, eu me acho mesmo, não somente por orgulho ou vaidade mas pelo prazer de saber fazer com esmero, capricho, com cuidado. Amorosamente. Meu Deus! Como sou vaidosa! Acho que tenho senso de justiça aguçado mas sou apenas um ser humano passível de erros. Aliás sou cheia de defeitos mas também tenho algumas raras qualidades. 

Sou amiga das pessoas, ajudo no que me for possível, sou amorosa, extremamente romântica, receptiva, não guardo rancores. Enfim, sou de Áries!

 Meus pais foram: Mario, um belo tipo brasileiro. Alto, moreno, esguio e Maria da Piedade uma bonita portuguesinha, baixinha, de cabelos louros e olhos muito azuis que,quando nova era chamada de russa por ser tão loura. Tive apenas um irmão de nome Mario, de quem gosto muito. 

Aos dezoito anos casei-me com meu querido amor, Reinaldo, que tinha à época 27 anos. Isso aconteceu há quase quarenta e oito anos. Reinaldo é filho de Aristotelina Gomes de Sousa e Heitor Sousa, naturais do estado de Santa Catarina no sul do Brasil. Tivemos cinco filhos que nos proporcionaram até o presente momento cinco netos. Por ordem de nascimento são eles: Pedro Henrique de 21 anos, Nina e João Felipe de 19, Fernanda de 17 e o mais novo de todos Ricardo Augusto de 10 anos.* Três filhos nossos moram aqui no Rio, os outros dois moram uma em São Paulo e outro em Santana do Livramento.


Pedro e Nina são morenos e de biotipo bem magro. João, Fernanda e Ricardo são bem claros lembrando tipos europeus. Todos são extremamente bonitos, inteligentes e saudáveis nessa mistura maravilhosa de raças que cambiam em nosso país. Realmente, abaixo da linha do Equador tudo é diferente. Somos mais ardentes, passionais, apaixonados e apaixonantes. Somos assim!


Parece que o verão chegou afinal para nosso tormento. Tanta bobagem escrita apenas para treinar o teclado do computador. Aos poucos vou me acostumando novamente com a posição dos dedos sobre o mesmo. Afinal,eu possuía um diploma (como era chamado nos anos cinquenta) de datilografia. Media quase um metro, um horror! Estou mesmo enferrujada mas vou conseguir. Hei de vencer!  Por hoje é só, pois estou um pouco tonta, mas a posição dos dedos já está se tornando mais fácil. Ontem dia 13 de setembro se completaram 48 anos da morte do meu pai, algo tão distante. Nós éramos muito próximos, gostávamos de sair juntos. Meu pai era tão novo. Quando faleceu tinha apenas 48 anos e eu 18. Ele sentia imenso prazer em apresentar-me às pessoas suas conhecidas. Quando eu tinha 14, 15 anos ele sempre me acompanhava à escola e além de ser, possuía uma aparência tão jovem que as outras alunas achavam que ele era meu namorado. Meu pai morreu muito novo. Não tivemos tempo de nos conhecermos melhor. Ele não pôde ser meu pai por mais tempo.


Hoje já estou um pouco mais ambientada com o teclado mas nem de leve posso imaginar que algum dia conseguirei bater algum texto sem que não possa olhá-lo. Preciso aprender a fazer isso o mais rápido possível, pois o tempo urge, passamos por ele muito depressa. Enquanto espero a hora da novela vou me habituando a digitar, vagarosamente. Quero aprender a passar e-mails para todos. Não quero ser uma pessoa que ficou parada no tempo apenas olhando e limpando a poeira dessa máquina de fazer loucos. Quero ser uma também! Apesar de achar que o computador ainda é uma trapizonga muito cheia de fios, estou começando a gostar da brincadeira, pois assim sinto-me um pouco inserida nesse mundo da informática coisa que jamais pensei que veria. 


Hoje é sexta-feira e faz três dias que comecei esta tarefa insana de querer aprender a digitar. Só mesmo sendo louca! Mas, apesar de tudo vou indo bem.Comecei a usar os sinais que pareciam um grande mistério mas na verdade não são. Agora, vou assistir à novela. Amanhã tem mais."



*Quando ela faleceu, já tinha dois bisnetos: Gael, filho de Fernanda e Lohan, filho de Pedro Henrique.



O mãezona, amiga, incentivadora, guerreira, brigona, colo, sorriso, força, amor, carinho. São tantas coisas que a senhora foi e sempre será em nossa vida que não cabe em palavras todo o privilégio de ter sido um dos passarinhos do seu grande ninho. Passarinho emprestado, nesse grande e generoso ninho. Vou lutar aqui para não deixar a tristeza me invadir, eu sei que a senhora não gostaria e diria com sua voz doce e firme, cara levanta a cabeça, acalma esse coração, estou bem, a vida é uma benção. Fica comigo o imenso carinho, o abraço que era conforto e esse gigantesco amor por todos nós. Mãezinha segue a viagem e que na imensa generosidade divina nos encontraremos para as mais deliciosas risadas. O peito aperta e a responsabilidade aumenta de ser digno do amor que recebi da senhora dona Gilda.