domingo, 9 de outubro de 2011

A HISTÓRIA DE UM SOLDADO ALEMÃO PRESO NA RÚSSIA








                                            Foto de Frei Conrado, no final de sua existência


Em 1951, eu estudava no Seminário Santo Antônio, em Agudos, São Paulo, quando recebemos um novo aluno, vindo da Alemanha, de nome Johannes Peter Rosbach. Sua chegada foi precedida da informação que ele era egresso dos campos de prisioneiros da Rússia, onde vegetara durante cinco longos anos, depois da fragorosa derrota alemã, em Leningrado, na Segunda Guerra Mundial. Rosbach estudava num seminário franciscano situado na cidade de Garnstock, na Bélgica, quando foi convocado para servir ao exército alemão. A chegada do novo colega, naturalmente, despertou a curiosidade dos alunos do educandário. Quando ele chegou, percebemos que se tratava de uma pessoa de mais idade do que a média dos alunos do seminário. Estava magro e abatido, com uma fome crônica. Era capaz de devorar um cacho inteiro de bananas e se tornou um apreciador incondicional da fruta brasileira, rara na Europa durante a guerra e inexistente nos campos de prisioneiros russos.

Aos poucos, fomos tomando conhecimento das vicissitudes do soldado alemão, na frente de batalha. Em janeiro de 1943, os exércitos alemães se posicionaram na fronteira russa ao longo de 2.900 km. No dia 8 de janeiro, foi dada a ordem de avançar. Os canhões dispararam e as tropas alemãs penetraram território russo a dentro. Durante vários dias percorreram dezenas de quilômetros sem encontrar viva alma. Joannes fora designado para o setor de intendência e participou da repetidas vitórias alemãs até o cerco a Leningrado. Quando chegou o inverno, a roleta da sorte começou a girar em favor dos russos, até a rendição alemã em 1943, quando 90.ooo alemães foram feitos prisioneiros. Estavam morrendo à míngua, sem combustível, sem alimentos e roupas para suportar as terríveis temperaturas do inverno russo. Não se renderam antes graças à teimosia e estupidez de Hitler. Joannes conta que se formou uma fila imensa de vários quilômetros, com prisioneiros famintos e maltrapilhos que eram conduzidos por uns poucos guardas russos que ficavam a uma boa distância um do outro. Os camponeses russos tinham um ódio implacável dos alemães (e com razão). Escondidos à beira do caminho, saltavam sobre a fileira de prisioneiros e arrastavam um ou mais infelizes para o mato, onde os massacravam. Para se defenderem, quando atacados, eles gritavam em altos brados, chamando a atenção dos guardas que acorriam em seu socorro.

Nas prisões russas, os prisioneiros foram designados para trabalhos diversos. A comida era escassa e de péssima qualidade. Nas refeições, os prisioneiros recebiam uma espécie de mingau que, jogado contra a parede da prisão, ali ficava grudado. Mas a população russa também era vítima da fome e muitas pessoas se compadeciam do sofrimento dos prisioneiros. Johannes  contou que mulheres russas muitas vezes traziam pedaços de pão que ofereciam aos mais enfraquecidos. Mas os alemães também usavam de esperteza quando tinham oportunidade. Num dos relatos, Johannes contou  que, em determinado período, um grupo de prisioneiros foi designado par descarregar vagões de carga que, entre muitas mercadorias, traziam máquinas de costura. Eles, então, tiravam das máquinas uma pequena peça que impedia que elas funcionassem, vendendo-as, depois, aos compradores das mesmas em troca de comida.

A dedicação de Johannes no cumprimento de suas tarefas, chamou a atenção do comandante da prisão que o designou para prestar serviços em sua residência , onde teve uma acolhida amigável por parte da mulher do militar. Entre suas principais tarefas, ele devia cortar lenha para a lareira da casa e prestar serviços externos. Ele tinha liberdade de ir e vir, porque ninguém se preocupava com a fuga dos prisioneiros, pois estavam a milhares de quilômetros de casa e não tinham forças para longas caminhadas. Agora, pelo menos, ele recebia uma refeição decente.

Depois de 5 anos de dolorosa expectativa, os russos decidiram libertar 5.000 prisioneiros alemães, sendo que mais de 80 mil nunca voltaram. Entre os que voltaram estava o nome de Johannes Peter Rosbach. Ele retornou à Bélgica para o seminário em Garnstock, preparando-se para vir para o Brasil. Ali, foi  entrevistado pelo brasileiro Frei Evaristo Arns (futuro cardeal-arcebispo de São Paulo) para verificar seu nível de instrução, depois de tantos anos afastados dos estudos. E frei Evaristo mandou para seus superiores no Brasil, a seguinte mensagem: "Ele conheceu as maiores provas que a Providência costuma impor a um missionário e não se deixou vencer por elas".
No seminário, fiz amizade com Johannes e fui testemunha das grandes dificuldades que tinha para acompanhar os estudos, pois  ainda falava português com grande dificuldade. O contato com sua personalidade afável, dissiparia aquela imagem que todos temos do soldado alemão na segunda guerra mundial, a de um ser humano cruel e insensível, pronto para matar. Tínhamos combinado escrever em parceria um livro de memórias, relatando suas peripécias durante a guerra, mas, como eu deixei o seminário tempos depois, o projeto não se concretizou.

No Brasil, Johannes prosseguiu seus estudos, ingressando na Ordem Franciscana com o nome de frei Conrado. Foi ordenado padre, exercendo seu ministério em diversas cidades brasileiras, onde era amado pela sua simplicidade e bondade. Faleceu com a idade de 87 anos.



   




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