segunda-feira, 1 de setembro de 2014

COMO ERA A VIDA DIFÍCIL DOS CIGANOS NOS TEMPOS DE OUTRORA

                                                                                                            



Na minha adolescência, no Sul do Brasil, tive a oportunidade de conviver com numerosas caravanas de ciganos, que chegavam ao povoado, onde morávamos. Tais caravanas eram formadas por gente rude e sofredora, cujos costumes contrastavam com o modo de vida das pessoas do lugar. A seguir, publico uma parte do capítulo 13 do meu livro Menino Tropeiro, com uma descrição minuciosa desses acontecimentos. 

"No inverno de 1941 chegou ao povoado uma grande caravana de ciganos. Eles vinham do Sul, mais precisamente do Uruguai. Vinham a cavalo e traziam seus utensílios em carretas. Falavam espanhol e um pouco de português. Armaram suas tendas junto à estrada estadual, a 500 metros da pequena igreja de Santa Bárbara. A presença deles causou certo temor à população, pois a má fama os precedia. Falava-se em rapto de crianças, em negócios nebulosos com cavalos, roubos e outras coisas mais.
As ciganas, com suas saias rodadas, se espalharam pelas casas, oferecendo-se para ler a sorte das pessoas. Uma delas esteve em nossa casa e manteve uma longa conversa com minha mãe. Só que, depois que ela saiu, d. Lina deu pela falta de um queijo que estava numa prateleira na cozinha, fato que a deixou muito revoltada, pois tratara a cigana com todo o carinho e até lhe dera café e pão com manteiga.
– Veja, Heitor – disse ela para meu pai. – Tratei tão bem a safada da cigana e ela levou o queijo escondido naquele monte de saias. Deve ser para isso que usam tanta roupa.
– Eu te alertei. É um pessoal perigoso. Fazem negócios com cavalos: compram, vendem, trocam, trapaceiam. O pessoal conta por aí que eles trocaram uns matungos por uns belos cavalos de um caboclo lá perto de São Pedro. Só que, na primeira chuva, os cavalos mudaram de cor e uma tinta começou a escorrer de seus pelos.
–  Como, uma tinta?
– Dizem que pintam os cavalos para parecerem  novos  e viçosos. São  cavalos  velhos e imprestáveis e a maioria morre envenenada pelas tintas.
– E essa história que roubam crianças?
– Isso me parece invenção. Contam uma história que teria acontecido no Rio Grande do Sul, onde uma criança desapareceu, mas nada se confirmou.
Os ciganos ficaram algumas semanas em Anita Garibaldi e foi um alívio quando levantaram acampamento e seguiram seu caminho, mas conseguiram quebrar a monotonia do lugar. As mulheres  se vestiam com roupas  coloridas e, à noite,  à  volta do  fogo, eles dançavam suas danças típicas ao som de instrumentos musicais exóticos.
Aqueles homens e mulheres queimados de sol, com olhos sempre bem acesos e brilhantes e um sorriso nos lábios, falando uma língua estranha, despertavam a minha imaginação infantil. Ninguém sabia ao certo de onde vieram e nem que rumo iriam tomar. Suas crianças nos fitavam com curiosidade, eram maltrapilhas e tinham aparência doentia. Acho que passavam fome e frio, além de não frequentarem a escola. Embora a vida na minha família fosse difícil, nunca passamos fome e sempre tivemos um leito quente e limpo para dormir. A vida daqueles pequenos ciganos nos mostrava uma outra realidade que desconhecíamos.
Tempos depois, chegou a Anita Garibaldi outro bando de ciganos. Só que esses vieram em três caminhões e armaram três grandes barracões de lona num gramado, perto da casa de dr. De Negri. Eram exímios artesãos e viviam da fabricação de tachos e outros artefatos de cobre. As mulheres se vestiam ricamente, com muitos adornos de ouro e prata e diziam que algumas, além de vender “la suerte”, vendiam também seus lindos corpos, o que deixou muito homem alvoroçado e muita mulher vigilante no pequeno povoado.
Quando o chefe do clã fez aniversário, os ciganos prepararam uma grande festa para ele e convidaram as pessoas mais importantes do lugar e dos povoados vizinhos por onde já tinham passado. Meu pai foi um desses convidados e ficou admirado com a grandiosidade da festa. Decoraram os barracões com lindas colchas bordadas a ouro e a baixela em que foram servidas as  iguarias  era  formada  por peças de ouro e prata, além de fina porcelana. O banquete tinha carneiro assado, além de outras carnes, sem falar do vinho servido aos numerosos convidados, de qualidade excepcional. O próprio dr. De  Negri  que  participara de mesas requintadas nas mansões de seus parentes na Itália, ficou admirado com a ostentação demonstrada pelos ciganos. Os convidados ainda foram brindados com danças e músicas típicas. Quando a festa terminou, já era dia claro."
   

                 

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